quarta-feira, 30 de abril de 2014

DAS COISAS QUE SÓ SE VÊ NO INTERIOR: UMA CARTA DE MEU PAI


Essa é a carta que encontrei de meu pai, quando já estou
morando longe dele, com minha família feita, e com uma
saudade no coração. Sou formado em engenharia mecânica,
tenho uma esposa maravilhosa e uma filha linda. Também, adoro
os dias bonitos para sair com eles e tomar chimarrão em uma
praça. Sou gaúcho, e vale constar para vocês: não sou tão ligado
em tecnologia.
Saudades, meu velho.
“Eu sempre gostei de futebol. Minha mulher odiava.
Nossos finais de semana eram difíceis. Ao pé da letra, um
inferno.
Ainda mais quando o sol batia com trinta graus na nossa cara.
Meu filho, Amaro, que estava sendo nossa salvação.
Economizara todo dinheiro que ganhava trabalhando na
metalúrgica do Seu Inácio.
Para comprar um notebook, e estudar.
Acho que é um daqueles computadores que podemos levar na
mão. Só acho.
Pois bem, ele o comprou. Não o vejo seguidamente, até porque
estuda na faculdade.
A vida não é tão fácil no interior, por isso decidiu sair.
Entrou no ano passado, mas o guri insiste em me dizer que foi no
semestre passado.
Deve ser a tecnologia que faz com que olhem para o tempo como
“semestre”.
Não importa. De qualquer forma, meu dia se resume ao trabalho
em nossas duas lavouras.
Planto soja, tomate e pepino, meio a meio nessa última. Pode me
pedir o que quiser sobre eles. Sei exatamente o mês que preciso
plantar e quando posso colher.
Sei que preciso deixar a terra preparada antes. Afofá-la, se assim
acharem melhor.
Mas boa mesmo, de verdade.
Nisso, minha mulher também ajuda.
O sol nos castiga um pouco, mas é o que nos acostumamos a
fazer. E amamos.
De qualquer forma, muita gente não sabe nada disso.
Eu dou risada quando me olham apavorados ao ouvirem-me dizer
que sou do interior.
Então, volto a repetir que, quando me sobra tempo, divirto-me
plantando e colhendo batatas também.
Acham isso anormal. Mas como, se é isso que comem? Como
Insistem em dizer que a tecnologia que comanda o mundo. Meu
amigo, eu não concordo com isso.
Nem minha filha também, que sonha ser bailarina. Ela acha que o
ballet quem vai dominar.
Quando dei risada, na última quinta-feira, minha mulher me
xingou.
Sempre com essa mania de defender os filhos. Mas, meu caro, eu
obedeci. Vou fazer o quê?
Agora, preciso conviver com a minha filha, ouvindo-a dançar
músicas sem que ninguém as cante, e se equilibrar nas pontas
dos pés com aquela roupa rosa e colada demais, que quase
mostra a sua piriquita.
Já tentei orientá-la por isso, mas não adiantou. Ela me disse que
precisa e ponto final. Precisa mostrar a piriquita, mas olha aqui o
chinelo, menina atrevida!
A única vez que ela me convenceu para tentar um passo- que
obedeci também por causa de minha esposa- quase quebrei meu
pé.
Que coisa louca era essa de ficar se equilibrando na pontinha do
dedão? Eu, hein.
Como ia dizendo, todos ainda acham que essa tecnologia que vai
dominar o mundo.
Eu duvido, mesmo quando vejo a maioria dos jovens na rua só
enfiados em seus telefones e “tablets”.
Meu filho quem me ensinou isso: tablets. Também é ligado nessa
tecnologia.
Aliás, seu sonho é ser engenheiro. Precisa entender de
tecnologia.
Eu desejo boa sorte para ele, mesmo sem entender nada disso.
Na verdade, ainda estou aprendendo a mexer naquele botãozinho
que liga o computador.
Eita, tecnologia boba. Tô começando a encher com esse nome.
Mas sei que ainda vão precisar de mim lá na roça, ah se vão.
Muita gente compra de mim. Durante toda a semana.
Todinha. Sábados, até.
Só não em domingos. É dia do meu futebol.
Minha mulher odeia. E lá estamos nós brigando de novo.”

Um beijo,
Vanessa Preuss

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ensaio breve de um ex-amor



Eu poderia ter tido todos os sonhos com você. Mas a vida me ensinou a não molestar-me por tão pouco. Não machucar-me por tão pouco. Não desistir por tão pouco. Não deixar de ser eu mesma. Havia muito caminho ainda para percorrer. Muitas pedras para trilhar, um mar imenso para desbravar. E aí aparece você e tenta afogar-me em um riacho?
Faça- me o favor. E faça mais. Não me faça rir. Deixe-me viver a vida, que minha mãe me ensinou muito bem como se cuidar. Sei fazer minha trança e usá-la como escape. Sei fazer meu próprio banho da juventude. Ela começa quando lavo a alma; de você, de suas promessas quebradas e jogadas aos leões.
Não preciso de príncipe se for para me torturar. Não preciso de sessões de terapia, um bom capítulo de Sex and the City já me acalma. Tudo bem, eu me acalmo. Sou mulher, preciso de liberdade e dessa ânsia de viver. Sua solidão não tem espaço aqui, pois todos os sonhos competem muito lugar com ela. Faço chamego em mim mesma se for preciso. Não necessito de consolo. Aliás, antes que você confunda as coisas, esse é meu pedido de salvação: se não puder resgatar meus lábios jamais, por favor, nem venha.


Vanessa Preuss