Ela é uma mulher
incrível: nunca sabe o que usar, demora séculos para se arrumar. Escolher a
maquiagem é função meticulosa, precisa dos melhores pincéis, base, um creme
hidratante, pó iluminador. E isso ainda é nada. O dia mal começou. Há muita
coisa para se fazer, é início de semana. Há ainda o perfume, a roupa, os
acessórios para combinar. A bolsa está pronta. Um bom homem pode a acompanhar,
que se não tão bom assim for, ela vai sozinha. Sua agenda anda cada vez mais
cheia, o dia corrido, e ela ainda arruma tempo para passar no supermercado, pagar
as contas e correr até o salão de beleza perto de casa para hidratar os fios
recém pintados.
Sorri para os vizinhos, se der tempo pára para
conversar. Porém, ainda que a noite esteja caindo, ela precisa trabalhar.
Checar o email, responder as mensagens do facebook, preparar o dia seguinte.
Ser dona do próprio nariz é difícil, mas quem disse que isso não é o que ela
mais quer? Ela entra dentro de casa, tira a roupa lentamente visualizando cada
gesto refletido no espelho. As aulas de Yoga estão funcionando, pensa com
carinho. Já emagreceu dois quilos, que eliminar mais três. Enquanto vai
seguindo lentamente até o espelho, puxa uma peça do toalheiro para se secar
mais tarde. Qual sabonete irá escolher? Hum, ela tem uma pequena dúvida. Cheira
as embalagens com profusão, até finalmente escolher o cravo. Quando está
totalmente nua, seus seios se eriçam e ela entra na água. Fecha os olhos,
esfrega cada parte do seu corpo com uma esponja porosa e esfoliante. As pérolas
de banho amenizam o dia que teve, e ela só sai de lá quando o telefone toca
pela segunda vez chamando seu nome. Se cobre com uma toalha felpuda, calça uma
pantufa cor de rosa e vai até lá. É ninguém mais que seu cliente mais novo,
solicitando-a no dia seguinte para escolher as cores da parede de seu novo
escritório. Uma decoração que surgiu de última hora, que a faz sorrir
lentamente. Ela o acalma, explica todos os passos para ele e e promete passar
lá no dia seguinte.
Na sala, liga o rádio em uma estação calma e
relaxante, e anda até seu quarto para se cobrir. Não se veste logo; ao invés
disso, desliza uma loção em seu corpo e começa a lambuzar-se com os dedos. Se o
homem perfeito ainda não apareceu, ela não vai se preocupar. Passa-o entre seus
seios, desce à barriga, o interior da coxas e o bumbum. Depois, olha-se na penteadeira
e se sente livre. Sente-se bem assim, apesar da idade já madura, dos filhos que
não vieram e que deveriam estar por vir. Mas na vida não há regras, pensa. Ela
escolhe seu melhor perfume e passa algumas gotas. Usa uma langerie nova, a que
guardava para ocasiões especiais. Sim, aquela era uma ocasião especial; ela
estava viva, de bem consigo mesma, e com tudo em dia. Tinha fechado um ótimo
negócio na semana anterior, feito duas palestras, pegado uma criança no colo e
ligado para sua mãe. A noite descera linda hoje, e a lua começava a brilhar
pelo vão da janela com mais força nos últimos minutos.
Ela deita-se em sua cama, lembra-se então que Dakota,
sua cadelinha de estimação, ainda está no pet shop. Deve voltar amanhã, então
tudo bem. A vida anda indo melhor do que ela imagina, ela está aprendendo a
falar a terceira língua e anda visitando com mais frenquência alguns países. O
medo e a solidão é um mal que não a assola mais. Enquanto isso, ela decide ler
uma passagem de seu novo livro, de sua vida sem prescrições. Bebe a champagne
que a beija de volta na boca com suas contas suaves e secas de amor. Sua última
noite de sexo é só mais uma lembrança pouco nítida, visto que sua vida anda sendo
tão excitante que só o tempo para decidir se valeria novamente a pena se
apaixonar por algo que não fosse simplesmente.. A vida.
Vanessa Preuss
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